sábado, 13 de novembro de 2010

Retalhos de memórias perdidas

     Do que é feita a história? Como ela se faz? Quem a faz?
     São questões que podem nos assaltar de vez em quando. O vulgo tende a achar que a história é feita apenas de grandes ações levadas à efeito por personagens inesquecíveis em momentos que passam à posteridade como decisivos. 
     É assim que acontecimentos como o Dia D, a Queda da Bastilha, os atentados de 11 de setembro se tornam na mente da massa fatos importantes, marcos históricos como se diz, e personagens como Hitler, Napoleão, Albert Sabin passam à história como heróis ou vilões.
     Mas o que dizer dos anônimos, ou quase, que tomam parte nos grandes acontecimentos? Não seriam eles também dignos de serem lembrados? E quanto ao ponto de vista daqueles personagens que colaboram, ou melhor dizendo, que são diretamente responsáveis pelos marcos históricos? Afinal, um fato só pode ser considerado de grandes proporções justamente por envolver o maior número de pequenos acontecimentos e de pessoas que dão seu quinhão à magnitude de qualquer evento.
     Estas reflexões me vêm à mente logo após a leitura de dois livros cujo tema é a Segunda Grande Guerra. Não, não se tratam de estudos sobre o grande conflito do século passado. Também não são textos com revelações dos bastidores da guerra. Tão pouco são narrativas de ficção ambientadas naquele contexto. São dois diários, isso mesmo, diários de guerra. Como se não bastasse, são dois diários de guerra escritos por brasileiros que lutaram na Itália.
     O Diário de Guerra (2008), de Rui Moreira Lima, e Diário de um Herói de Guerra (2006), organizado por Roberto Pessoa Ramos Neto, ambos publicados pela Adler, apresentam visões únicas e distintas sobre a participação da Força Aérea Brasileira (FAB) na campanha aliada em território italiano. É interessante notar como os mesmos acontecimentos podem ser narrados de forma tão diversa dependendo de qual for a intenção daquele que o narra. 
     O livro de Rui Moreira Lima, que já tinha brindado o público interessado pelo tema com o antológico e obrigatório Senta a Pua! (1980), apresenta anotações feitas in loco, isto é, em pleno campo de batalha, com as descrições resumidas das missões cumpridas pelo então Tenente do 1º Grupo de Aviação de Caça; anotações estas que  registram os componentes das esquadrilhas, os objetivos da missão e os alvos destruídos. Apontamentos feitos de forma metódica em pequenas cadernetas e que foram enriquecidos posteriormente por descrições mais detalhadas, inclusive com indicações sobre o desfecho de alguns acontecimentos.
     Já o Diário de um Herói de Guerra traz os apontamentos do então Capitão Roberto Pessoa Ramos organizados por seu neto homônimo. O que chama a atenção neste segundo título é o despojamento da escrita do jovem piloto brasileiro. Não há nele a preocupação em apresentar os dados ou os fatos de maneira acadêmica, formando antes um amálgama de registros e impressões, nos quais a visão pessoal do ser humano demonstra bem a garra, a fibra e o idealismo do guerreiro.
     Ambos os títulos servem como janelas para o passado, através das quais o leitor tem uma oportunidade rara de ver a guerra e a participação brasileira sem nenhum  artificialismo de discursos pseudo-ideológicos que se poderia esperar de livros com tal temática.
     Em um tempo dominado por uma visão que busca parecer intelectualizada, mas que disfarça sua superficialidade com palavras de efeito pronunciadas aos berros, em que o elogio a qualquer aspecto de nossa história militar vira motivo para sermos acusados de reacionários, em que ser patriota virou sinônimo de concordar com tudo o que a massa ignorante aceita vindo de cima, em que o Poder Total busca sutilmente impedir a liberdade de expressão e de pensamento, é oportuno lembrar destes esquecidos, injustiçados guerreiros que lutaram pela liberdade em um mundo cuja loucura só seria suplantada pela alienação de nossa época.
     Lutar pela liberdade com a bandeira de um país cujo poder era reconhecidamente totalitário pode parecer  hipócrita se visto com o olhar viciado por discursos vazios de ideal, como são os de nossos dias. Mas a verdade salta das páginas dos diários como a nos cobrar: o que vocês fizeram de nosso sacrifício?

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