segunda-feira, 14 de abril de 2014

Graça divina



Inspirado em uma história real
O palhaço entrou na igreja
E foi devagarinho se achegando,
E depois de um “amém” e um “assim seja”
Pôs-se a admirar tão pouca gente ali rezado.

É de se explicar a situação:
Era uma bela manhã domingueira
E o templo botava gente pelo ladrão,
Pra ouvir a missa costumeira.

Uma dona com a outra fofocava,
E falava sobre a vida da vizinha,
Um sujeito num papelzinho rabiscava
Os versículos pra no bicho fazer sua fezinha.

Um outro, boa pinta, com ar galanteador
Piscava pra morena de fina cintura
E ela, com a saia curta feito um babador,
Nem dava ouvidos pro que diz a escritura.

O palhaço ouviu um rugido lá no fundo,
Como se a terra fosse logo se abrir!
Mas não foi prenúncio do fim do mundo,
Só um fiel que aproveitava pra dormir.

De repente foi uma correria louca,
Do povo se espremendo pra comungar,
E vindo com a hóstia na boca
Como se fosse goma de mascar.

E o padre terminou a pregação
Exortando os ouvintes seus
Com as palavras do homem chamado João:
“Alegrai-vos, que é chegado o Reino de Deus!”

O seu assunto era a alegria,
E era toda a sua vocação,
O circo sempre fora sua sacristia
E o riso sua forma de oração.

Querendo também louvar o Senhor,
Levando um sorriso aos seus irmãos,
Deu uma pirueta com fervor,
Um salto mortal sem usar as mãos.

Aterrissou no altar com um só pé,
Deixando-se cair com grande alarido,
Era para ele sua demonstração de fé
Com sinceridade ao Mestre querido.

Mas pobre do meu palhaço!
Ninguém quis saber do seu encanto!
E o sacristão tomou-lhe pelo braço
E o botou sentado lá num canto.

Triste, cabisbaixo e envergonhado,
Viu as pessoas o encararem com desgosto,
E ali, sem entender o que fez de errado,
Sentiu uma lágrima rolando pelo rosto.

E a igreja foi se esvaziando,
Gente apressada, empurra-empurra,
E muito pouca gente foi ficando
A pensar na mensagem da escritura.

E o palhaço pensativo murmurava,
Se era pecado ter sua fé na alegria,
Pois se a ele a sociedade censurava,
Por que não combater a hipocrisia?

De repente, com o templo esvaziado,
Uma risada solta, cristalina, ecoou,
Despertando o palhaço acabrunhado,
E entre risos para ele assim falou:

“Meu palhaço, não fiques desanimado,
Mantém a fé e do riso faz constância
Pra libertar esse mundo acorrentado
Na treva triste da ignorância.

És um servidor bom e fiel,
Para quem os santos dizem seu amém,
No picadeiro da vida brilha o teu laurel,
Pois a alegria é missão no bem.

Reforça a tua fé em Deus
E espalha com tua máscara a luz,
Sabendo que com cada um dos gestos teus
Você me libertou daquela cruz!