sexta-feira, 1 de maio de 2020

O que não está no gibi

Anotações em torno da leitura de
Bill Finger - A história secreta do Cavaleiro das Trevas



É inegável o impacto que os heróis dos quadrinhos exercem em nossa cultura. Muito antes de lotarem as salas de cinema, os personagens mascarados, com suas roupas colantes, poderes e habilidades sobre-humanas já faziam parte de nosso imaginário cotidiano, com aventuras de tirar o fôlego, seja pelo vertiginoso de suas ações, seja pela profundidade e complexidade de algumas tramas.
Entretanto, estes heróis surgem das cabeças e mãos de homens que, apesar da aparência, estão longe de ser comuns. Homens cujas vidas podem ser tão ou mais incríveis que as aventuras imaginárias em que seus personagens enfrentam a injustiça. A vida real também tem seus heróis e, infelizmente, seus vilões.
Bill Finger – A história secreta do Cavaleiro das Trevas (Skript Editora: 2019) lança um pouco de luz sobre a vida de um dos responsáveis pela criação do (possivelmente) mais popular dentre os heróis dos quadrinhos: o Batman!
Eu já tinha ouvido falar no biografado nos idos dos anos 90, mais precisamente no prefácio do Superalmanaque DC, nº 01, que eu, então com pouco mais de 13 anos, li com os olhos vidrados da empolgação que só conhecemos realmente quando temos em mãos algo que queremos muito (foi necessário economizar o dinheiro do lanche da escola por quase uma semana para que pudesse comprar aquela edição de quase 300 páginas).
 Com o passar dos anos, o nome de Finger foi sendo cada vez mais lembrado pelos pesquisadores da história dos quadrinhos, até ser reconhecido como o real gênio por trás dos principais elementos que viriam a compor o Homem Morcego.
Nesta biografia em quadrinhos de Diego Moreau & Douglas Freitas (Roteiro), Sandro Zambi (Arte e letras) e Ítalo da Silva Bispo (Cores) temos talvez o mais digno dos esforços para conferir ao biografado o merecido reconhecimento.
Mais do que um trabalho documental, o livro apresenta uma história potente e emocionante, conseguindo a combinação perfeita (e dificilmente alcançada) entre relato histórico e narrativa dramática.
Finger nos é mostrado como sendo um leitor voraz, um admirador das artes, um cinéfilo, escritor, homem de cultura rica que se manifesta numa criatividade aparentemente inesgotável. 
O processo criativo que levou à criação do Batman, partindo das ideias iniciais (e simplórias) de Bob Kane (que acabaria levando todos os créditos), é apresentado com um dinamismo de imagens que nos remete à linguagem cinematográfica sem perder a qualidade do literário, um
efeito que só é possível em [bons] quadrinhos.
Mas se engana quem pensar que a obra ficará restrita a Finger, Kane e Batman. Vemos um verdadeiro retrato dos EUA no século XX, com suas crises e guerras, a discriminação sofrida pelos judeus, a história da ascensão dos quadrinhos, sua perseguição por grupos conservadores que os viam como responsáveis pela corrupção da juventude (um pensamento tacanha que ainda ecoa hoje), o surgimento de grandes nomes da indústria, tudo isso se abrindo em múltiplas camadas textuais que nos levam a um novo olhar sobre aquela que foi chamada por Will Eisner de “Arte Sequencial” e que hoje é também conhecida como “Nona Arte”.
Repleto de homenagens e referências visuais, Bill Finger – A história secreta do Cavaleiro das Trevas é um livro belo, triste, divertido, poético, emocionante e necessário.

OBS: O livro pode ser adquirido clicando AQUI.