Poesia:
A arte do encontro
Em
geral, poetas são vistos como seres solitários e individualistas.
Há até quem nos julgue egocêntricos. Há certa verdade nessa
visão, pois a poesia é uma arte que permanece, em grande parte, no
terreno do sujeito, de onde vem “subjetividade”, empregada para
definir a visão de mundo de uma única pessoa.
Vem
daí a ideia comumente difundida de que o poeta nasce e escreve
imerso na solidão.
Talvez
surpreenda ao senso comum a informação de que poetas são também
extremamente afeitos à coletividade. Adoram se encontrar para
discutir versos, próprios e alheios, ler poemas uns para os outros,
comparar textos, etc.
A
poesia proporciona sempre os mais inusitados encontros entre poetas e
leitores, entre poetas e poetas, entre leitores e leitores.
Quanto
aos encontros entre poetas, é sempre um momento agradável, apesar
de também marcado por certo nível de conflito, quando aqueles que
se dedicam a escrever versos têm a oportunidade de se juntar. Esses
encontros não se dão apenas nos eventos como saraus e lançamentos
de livros, mas podem acontecer até no acaso de cada dia, num
corredor de shopping, num café.
Uma
vez, me recordo agora, estava atravessando uma rua na cidade vizinha
à minha, voltando nem me lembro de onde, quando ouvi alguém
gritando “Salve o poeta de Mesquita!”. Virei-me para o ponto de
onde vinha a voz e dei de cara com o sorriso sempre contagiante do
poeta Macedo de Moraes (o Griot!), a quem tanto admiro, que me abria
os braços. E ali, naquele abraço não programado, em meio aos sons
estridentes que caracterizam as nossas cidades, reafirmamos nossa
fraternidade de poetas, de amantes dos versos.
Em
outras ocasiões pude me encontrar com poetas em eventos, entrevistas
e saraus. Alguns membros dessa confraria são muito próximos, outros
apenas conhecidos. Há aqueles que lia muito antes de começar a
escrever meus próprios versos, como Moduan Matos, Jorge Rocha e João
Prado; outros que fui descobrindo em minha formação de poeta, como
Alberto Pucheu, Maurício Keller e Merlânio Maia; e aqueles que mais
recentemente aportaram em minhas leituras, como Luiz Otávio Oliani,
Elciomar Rocha e Alberto Centurião.
A
cada encontro, trocamos ideias sobre o que estamos lendo e
escrevendo, dividimos sucessos e fracassos, e criamos expectativas
quanto aos próximos textos e encontros.
Para
um poeta, é sempre gratificante o encontro com seu(s) leitor(es).
Saber como um texto que saiu de sua cabeça encontra novos
significados para outras pessoas. Descobrir que elas podem admirar um
poema que muitas vezes não recebe muita consideração de quem o
escreveu.
Mas
o encontro entre poetas e leitores apresenta ainda uma dimensão
inusitada que é formada por atemporalidade e desterritorialização.
Como
leitor de poesia, já pude dialogar com autores que vivem em lugares
dos mais distantes. Atualmente tenho acompanhado um poeta português
de nome João Negreiros. Seus poemas me chegam do outro lado do
oceano. É pouco provável que um dia nos encontremos pessoalmente.
Entretanto ele é alguém com quem dialogo, graças aos seus textos
nos quais nos encontramos. O mesmo se dá com Bruna Mitrano, poeta do
mesmo estado que o meu, mas com quem só me avistei por intermédio
de seus poemas viscerais.
Há
aqueles poetas que me chegam vindos de outros tempos. García Lorca,
Alfonsina Storni, Konstantinos Kaváfis. Apesar de há muito tempo
terem deixado seus corpos para trás e ido “estudar a geologia dos
campos santos”, estes poetas são meus contemporâneos, são meus
amigos.
E
agora percebo que nem mesmo a língua poderá ser uma barreira que
impeça os encontros poéticos. Sempre, ou quase sempre, podemos
contar com as traduções e também, no meu caso, há aqueles poetas
que escrevem em inglês e em espanhol e que consigo ler em suas
originalidades.
Talvez
seja esse o objetivo primordial da poesia: promover encontros; romper
barreiras temporais, geográficas, linguísticas; pôr um fim à
solidão na qual muitas vezes nos vemos imersos.
A
poesia é, assim como a vida, a arte de promover encontros apesar de,
e graças à, tantos desencontros.