terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Memórias de um amante da poesia - 01



O primeiro encontro



Eu tinha uns oito anos de idade. Meus pais me levaram a um evento beneficente na casa espírita que eles já frequentavam há alguns anos, desde que se mudaram de Nova Iguaçu, vindo antes de Irajá, para Mesquita (RJ). Talvez aqui eu deva fazer uma breve explicação sobre o evento e o local em que se realizava.

Ao longo dos anos, as casas espíritas (e aqui falo daquelas de orientação kardecista, popularmente chamadas de “centros de mesa branca”) sempre realizaram eventos para arrecadação de fundos que servissem para custeio de suas próprias atividades e/ou aquisição de mantimentos que pudessem ser distribuídos para pessoas em situação de pobreza extrema.

A tônica de muitos desses eventos  acabou por fundamentar uma fórmula que até hoje permanece no movimento espírita brasileiro: a combinação entre arte e comida. Creio poder afirmar que não há no Brasil um só espírita com mais de trinta anos de idade que nunca tenha participado de um “Chá fraterno”, “Lanche fraterno”, “Show com Chá” ou outros nomes para o mesmo tipo de evento.

Mas voltemos àquela tarde por volta de 1984.

Eu estava sentado na primeira fileira de cadeiras junto com outras crianças. Agora não tenho certeza se eu estava mesmo sentado na cadeira, talvez estivesse sentado no chão. Isso não importa para uma rememoração, mas a dúvida é também a morada do poético.

Eu estava sentado. E um homem subiu ao palco. Eu estava sentado vendo um homem subir ao palco que nem era exatamente um palco, apenas uma parte mais alta do salão e que servia de palco. E o homem subiu e falou. E quando ele falou, tudo desapareceu.


Eu não lembro das músicas que cantaram naquele dia; não lembro se houve alguma representação teatral; não lembro qual foi o lanche que serviram. Não lembro de nada.

Mas lembro que um homem falou.

De repente parecia que o mundo havia parado. Lembro claramente que ele começou a falar “A rua que eu moro…” e eu quis viver naquela rua, mais do que isso: eu queria ser aquela rua. Nunca tinha visto palavras ditas de tal modo. O que eu via naquele espaço não se parecia com nada do que eu já tivesse visto e ouvido na minha [então] curta existência.

E tudo porque um homem falou. Aquele homem, que mais tarde se tornaria meu padrinho na escrita e que assumiria um papel fundamental na minha caminhada, era o poeta João Prado.

No caminho para casa, eu tinha um monte de perguntas na cabeça. E como toda criança, resolvi perguntar para aquela fonte de conhecimento inesgotável, aquele que tinha resposta para todas as perguntas.

- Pai, o que era aquilo que aquele moço falou?

Meu pai não teve muito estudo. Tendo de trabalhar desde cedo, só conseguiu concluir o antigo 1º grau em um supletivo oferecido pela instituição na qual trabalhava, a PMERJ. Mas meu pai tinha um segredo: uma mente de inesgotável curiosidade. Sempre lendo, sempre pensando.

- Aquilo, meu filho, é POESIA!

- E o que é poesia?

- Poesia é uma coisa que todo mundo conhece, mas tem gente que pensa que esqueceu.

Às vezes fico na dúvida se ele realmente respondeu isso, mas é assim que me lembro e é assim que escolhi contar para as pessoas.

E foi assim que, aos 8 anos de idade, em uma tarde-noite de um fim de semana qualquer por volta de 1984, tendo sido apresentado à poesia por João Prado e pelo seu Nivaldo Cardoso, que eu descobri o que eu queria fazer pelo resto da minha vida.

Mais tarde, eu começaria a dizer poemas de diversos autores, inclusive do João Prado. E teve aquela vez em que pela primeira vez o próprio João me convidou para fazer um sarau com ele. Mas isso é outra memória.


Glaucio Cardoso - 24/11/2021





terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Orando

 




É preciso hoje
Elevar o pensar,
Agradecer e orar.

Num sussurro de gratidão
Curar a dor
E espantar a solidão.

Fazer silêncio no interior
Para encontrar-se seja onde for.

A oração em tempos de dúvida
São versos para curar o luto.

Eleva,
Pensa,
Agradece
E ora.

Sem escolher palavras
Sem esconder sentimentos.

Não é preciso saber,
Basta saber sentir.


Glaucio Cardoso

Dez/2021

Identidade Indígena (Eliane Potiguara)


Minha leitura do poema de Eliane Potiguara com algumas considerações sobre a leitura de poesia.

 

segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Do saber e do não saber dos ancestrais

 



É preciso aprender com os ancestrais...

Eles que nos falam através dos tempos,

Que nos ensinam pela tradição.

Os ancestrais são aquelas sementes

Lançadas em todo tipo de terra.

Quando esquecemos seus rostos,

Ignoramos de onde vêm nossos passos,

E assim nos aproximamos da borda do abismo.


Sim é preciso louvar os ancestrais.

Mas também é preciso perdoá-los.

Os ancestrais não sabiam que eram ancestrais.

Estavam presos a seus tempos,

Apegados a seus solos,

E nem sempre pensavam naqueles que estávamos por vir.


Os ancestrais não sabiam que sua obscuridade

Podia ser depois a semente das ignorâncias.

Os ancestrais eram como nós,

Vivendo o dia a dia

Muitas vezes esquecidos daqueles já idos

E daqueles que ainda viriam.


Soubessem o que nós sabemos,

Talvez os ancestrais pensassem melhor

No que legariam a nós...

Nós, os ancestrais dos que ainda virão.

Glaucio Cardoso

17/07/2020


terça-feira, 28 de setembro de 2021

Dez leituras

 



Está resumido nos livros escolares...

Referência bibliográfica obrigatória...

Há perguntas em provas...

Trechos nos concursos...

Frases soltas em epígrafes...

Mas o livro jaz morto.

Empoeirado.

Esquecido.

O autor entrou pelo cânone.

Glaucio Cardoso

13/08/2020



segunda-feira, 9 de agosto de 2021

Pequena história de um amor incompreendido

 



Já faz três noites que esse cricrilar me acorda,

feito um relógio

soa sempre à mesma hora.

Cacei o grilo pela sala,

na cozinha,

e o danado a me zombar

até alta madrugada.


Na quarta noite foi que o vi de relance.


Na quinta noite se mostrou despudorado.


Na sexta noite, com destreza e com um copo,

levei ele para fora.


E no jardim deu um salto em silêncio,

um silêncio tão silêncio

que até me pareceu magoado.


Juro por Deus que me olhou amargurado

e depois desapareceu.


A sétima noite chegou e eu não tenho descanso,

pois agora eu entendi

que abri mão da serenata

que ele me oferecia.

Glaucio Cardoso

29/09/2020

quarta-feira, 28 de julho de 2021

Entre Versos e Acordes




"Entre Versos e Acordes" vou caminhando e construindo quem sou.
Convido a todos pra conhecer esse novo trabalho em que poemas e canções se unem para me dar algum sentido.

sexta-feira, 9 de julho de 2021

Ave de arribação

 



Sou ave de arribação

De passagem pelo céu.

Um céu tão meu,

Um céu que não me pertence,

Um céu antigo como o sol poente,

Um céu que viu muitos pássaros

A bater asas na ingenuidade

De crer que o dominavam.

Mas o céu é pré-dominante,

Manda a manobra,

Define o vôo,

O céu é eterno e mutável,

O resto somos aves de arribação

Passageiramente detentoras desse espaço.

Glaucio Cardoso

04/01/2020

sábado, 29 de maio de 2021

Despedidas

 



Não existe jeito fácil pra uma despedida.

Acenos de mão são sempre dolorosos

e todo aquele que parte

leva um pouco de quem fica.


Com quem parte

vão-se todos os dias não vividos,

os sorrisos ainda por sorrir…


Quem parte leva os abraços

que ainda queríamos trocar,

leva os sonhos não realizados,

leva todos os aniversários não celebrados

e os feriados sem viajar.


Mas quem parte também sempre deixa algo

naqueles que ficam:

deixa lembranças

felizes,

tristes,

engraçadas,

comuns,

lembranças que são vida!

Deixa as palavras

de ternura,

de amor

e de amizade,

palavras ditas

e caladas,

exemplos, sorrisos e afagos

tão naturais que nem se notava.


Quem parte deixa sementes

a ser cultivadas por quem fica.

Tudo o que fica e tudo que se vai

fazem parte da mesma saudade

e da mesma presença.


Glaucio Cardoso

2021


quarta-feira, 24 de março de 2021

Passos do amor



O Amor saiu sem máscaras pelos caminhos.

Se mostrava abertamente e mesmo

poucos o reconheceram.

Descobriu, sem surpresa,

que outros andavam se passando por Ele.


A Paixão, por exemplo.

A Paixão se mascara de amor

confundindo companheirismo com submissão

e partilha com posse.

Desequilibrada, a Paixão queima feito fogo

na mata seca,

e depois de passar,

tudo o que sobra são cinzas ao vento.


O Amor também foi confundido com a Volúpia.

Essa força geradora de vida

é capaz de aproximar o humano do divino,

e, ao unir corpos na entrega sincera,

aproxima as essências com a magia da intimidade.

Corrompida pela mesquinhez humana,

a Volúpia transforma o sagrado sexo

em moeda de troca e jogos de poder.


Tem quem pense toscamente

que o Amor é sinônimo de loucura,

essa turvação dos sentidos e da visão

que inverte tudo.


E assim, de passo em passo,

o Amor foi reparando

em tantas coisas

que são tomadas por ele.


Mas continuou seu caminhar,

certo de que nas encruzilhadas desse mundo

há de haver aqueles que o reconheçam pelo que é.

Criador, gerador, geratriz,

toque, afago, presença,

saudade, lembrança e promessa.

Porque ao Amor pouco importa

com o que o confundem.

Porque ao Amor só importa amar.

Glaucio Cardoso

fevereiro de 2021

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Cifra indecifrável

 



Os mortos no mundo já passam de dois milhões…

(o que são dois milhões diante de 8 bilhões?)


No meu país, os mortos já passam de 200 mil…

(o que são 200 mil diante de mais de 200 milhões?)


Mais alguns milhares no meu Estado.

Mais algumas centenas na minha cidade.

Mais algumas dezenas no meu bairro

e uma meia dúzia só na minha rua.


Números que seguem sendo minimizados

pela ignorância dos negacionistas

[os anônimos e os notórios].


Números a que todos são reduzidos,

sejam os números de sinistros,

estatísticas

ou cepeefes.


Pelo menos um número

é maior que dúzias,

dezenas, centenas,

milhares ou milhões:

o número a menos na minha família!

Aquele um cuja ausência é infinita.

Aquele um diluído e invisibilizado nos gráficos

reduziu a zero toda a vida que ainda podia ser.


Que é esse um diante de milhões e bilhões?

Esse um é tudo,

esse um é nada,

esse um é a negação da negação,

esse um sou eu, é você, são eles.


Esse um somos todos nós.

Glaucio Cardoso

28/01/2021

Segundo ano da pandemia