domingo, 24 de abril de 2022

Identidade

 



O que ainda faz eco em mim

é o canto de mil senzalas

e o pranto de mil porões.

A poeira que levantei

batendo pés no chão

de todas as tabas

cobre e aquece minha pele,

uma pele sem cor,

sem pátria,

uma pele que se choca

com a diferença

nos olhos que me olham.

Sou negro,

sou indígena,

vermelho de sangue,

vermelho de raiva,

vermelho (às vezes) de vergonha

ou de choro.


O que ainda faz eco em mim

é o silêncio de todos os por quês

sem resposta,

a ausência de todas

as mãos não estendidas

e os soluços sem alento.


Mas também sinto

o ecoar da esperança,

o reverberar das cachoeiras

e os cantos que moram em mim.


Sinto o ecoar do orgulho

de ser quem sou,

de ser quem fui,

ser quem serei.


Sinto que não se cala

a voz que dá voz

às vozes dos que

ousam crer no amanhã.


Sinto ainda ecoar em mim

a certeza de que

sou o som

e o eco.

Glaucio Cardoso

em algum dia do segundo semestre de 2021