sábado, 12 de dezembro de 2015

Poema doméstico



Acordei com um poema na cabeça,
mas a louça por lavar não esperou.

Acordei com um poema na cabeça,
mas tive que alimentar o cachorro.

Acordei com um poema na cabeça,
mas o aquário estava sujo.

Acordei com um poema na cabeça,
mas as crianças precisavam de atenção.

E assim o poema foi ficando pra depois
e agora já nem sei por onde anda;
deve ter ficado pelo meio do caminho,
igualzinho a uma pedra.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Icarus




I – Asa esquerda
O sol a brilhar é um convite,
Um chamado ao voo
E eu, com minhas asas tão pesadas,
Ouso sonhar em banhar-me em tal claridade,
Mas ofusco-me por não ter olhos de ver.
Mas o sol me chama
E em chamas derrete a cera
Que me mantêm atado
Às penas presentes.
Será preciso abrir mão
Das asas para voar livre?
Mas o sol me chama
E em chamas aparento cair
Enquanto ascendo
Numa louca confusão
De penas e luzes...

 

II – Asa direita
Quantas vezes eu caí,
Quantas já me levantei,
Sempre em busca dessa luz
Prometida no infinito.
Preso às penas de outrora
Não posso seguir além,
É preciso, é urgente
Abrir mão do que não sou,
Derreter o meu apego,
Pois o sol ainda me chama
E em suas chamas
Ofusco meus olhos de não ver.
Quantas vezes eu caí,
Quantas já me levantei,
Aprendendo com o chão
A sonhar um voo mais alto.
Libertando-me das penas
Que eu mesmo em mim atei,
Vou alçando-me do solo,
Vou livrando-me da cera
E será assim enquanto
O sol ainda me chama
E com chamas me aquece.
Quantas vezes eu caí,
Quantas já me levantei,
Sempre em busca desse céu
Que construo em cada voo.


23/03/2015

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Conforto




De uma frase de Luise
O que me conforta são as nuvens...
Elas estão e não estão
Onde as vemos,
São e não são
O que entendemos.

Se subimos alto, muito alto,
E nos mesclamos ao azul,
As nuvens são marcos
Não estáticos nem eternos.

Podem ter todas as cores
Do branco ao crepuscular,
E quando carregadas
Tornam-se de um negror
Com tonalidade de chuva.

E é por isso que
O que me conforta são as nuvens,
Pois refletem a perfeição
Da eterna mudança
Que é a mesma
Que vejo em mim.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

De Poetas Sobreviventes



De Poetas Sobreviventes

Tenho pensado em poetas mortos...

Na bala própria de Maiakovski,
Na bala anônima de García Lorca,
Na tuberculose de tantos,
No esquecimento de outros.

Há poetas que parecem
Passar da hora;
Há outros que poderiam
Ter-se demorado um pouco mais;
Pouquíssimos são aqueles
Que poderiam eternizar-se.

Vai saber se todos os poetas
Não terão, em verdade, morrido naturalmente.

Acho que o poeta só morre
Quando sua voz se cala,
Quando seus escritos
Não encontram olhos,
Quando são relegados
A livros fechados.

Tenho pensado em poetas mortos...
Tenho pensado no que espera...