segunda-feira, 3 de abril de 2023

Memórias de um amante da poesia – 05


 Descobrindo poetas

Uma das coisas de que me orgulho de forma nada discreta é minha estante de poesia, que ocupa um lugar considerável em minha biblioteca. Em suas cinco prateleiras convivem livros dos mais diversos poetas, desde nomes consagrados e canônicos até ilustres desconhecidos, ou quase.

A formação deste acervo se deu por caminhos bastante discrepantes entre si. Por um lado, meu gosto pela poesia se une à minha profissão e me leva a ter os clássicos da poesia brasileira e estrangeira. De outro, e este é o foco do texto, sempre tive uma tendência em adquirir livros de poetas que me eram completamente desconhecidos, o que já me rendeu algumas descobertas.

Exemplo.

Certa ocasião estava andando por uma feira livre de minha cidade quando vi, bem no final da mesma, uma barraca que vendia as mais diversas bugigangas, entre elas alguns livros. Um desses livros me chamou a atenção: trazia uma capa escura com uma foto de uma mulher bastante pálida e era um exemplar ao mesmo tempo conservado e surrado. O título era Antología Poética, edição argentina.

Comprei o livro por 1 Real (isso mesmo!) e o trouxe para casa. Li alguns dos poemas e fui vendo como eram viscerais alguns e inseguros outros, percebendo tratar-se de um panorama da evolução de uma voz poética desconhecida para mim. Não conhecia a autora e como tenho por hábito me acercar dos poetas pelos poemas, não pesquisei nada sobre a mesma antes de ler.

Mas seus textos me empolgam, comovem, provocam, incomodam. São poemas que fazem vislumbrar uma alma febril e intensa. Seu nome é Alfonsina Storni (1892-1938), que descubro tratar-se de uma das principais vozes líricas da Argentina. Poeta que parece falar aos contemporâneos de duas épocas, a sua e a minha, e que de repente se torna atemporal


e eterna.

Aspecto
Vivo dentro de cuatro paredes matemáticas
Alineadas a metro. Me rodean apáticas
Almillas que no saben ni un ápice siquiera
De esta fiebre azulada que nutre mi quimera.

Gasto una piel postiza que la listo de gris.
(Cuervo que bajo el ala guarda una flor de lis
Me causa cierta risa mi pico fiero y torvo,
Que yo misma me creo para farsa y estorbo.)

Esta é uma das descobertas que fiz comprando livros de poesia aleatoriamente. Outros poetas que chegaram assim foram se tornando não apenas parte de minha leitura, mas também de minha escrita. Nomes como Kaváfis, Agostinho Neto, Eduardo Lizalde, Alexandre Moraes, Caio Carmacho, entre outros, passam a fazer parte dessa estante que é quase uma galáxia onde circulam sóis, estrelas e meteoros.

Glaucio Cardoso

Abril de 2023