quarta-feira, 30 de setembro de 2015

O próximo passo



Qual nosso próximo passo?
Fica sempre a sensação,
o sentimento, a angústia
de que o homem cada vez mais
se contenta com cada vez menos.
Já ousamos atravessar oceanos,
hoje pedimos comida por telefone.
Houve tempo em que cobiçamos as estrelas
e pisamos na lua.
Agora, sonhamos e desejamos
a próxima bugiganga eletrônica.
Houve uma época,
chamada “das trevas”,
em que o mundo era todo
do tamanho do que um homem via.
Hoje nosso mundo cresceu tanto
que limitou nossos horizontes
com a facilidade do tudo às claras.
Cavamos tão fundo,
procuramos entender a vida
em suas camadas ocultas,
mas ainda nos contentamos
em chapinhar na superfície.

Então qual o próximo passo?
Para frente?
Para trás?
Para um dos lados?
Creio que todos já foram dados,
até mesmo os transversais,
e todos foram linhas retas.
Agora é tempo de um passo
aleatório, holístico e completo,
um passo que ultrapasse as dimensões;
nem o para dentro narcisista,
nem o para fora deslumbrado,
mas um passo total,
pleno, último e infinito,
um passo enfim transcendental.


quarta-feira, 16 de setembro de 2015

The sleep of an angel





The angel in the sand
Seems to sleep
A weary sleep.

I wanted to see him playing,
I wanted to see him smiling,
I wanted to see him in his promised flight.
But the angel does not wake up,
Do not play,
Do not fly.

Who cut your wings?
Who was that erased the traces of your footsteps?
Who did shut your laughter?

I say and I claim
We were all of us;
Eyes closed,
Arms crossed,
All closed
For those who just wanted refuge
from a sincere affection.

Does the boundaries
There are in maps
They became walls
Separating men?
Why is it so hard
Open the chest
To give shelter
To others who suffer?

I wish I could, my little angel,
To take you in my arms
And sing you songs to wake up,
And whisper beautiful things
For your sweet dream.

But the little angel will not wake up,
We condemn, to him and to others,
The apparent sleep.

I know tell you, my little angel,
I'll never forget you,
Because otherwise I would be
Forgetting me
And who you are:
You are our children,
You are our future,
You are the debt
Accompanying us
And what it takes to pay off.
You will always child
In our retinas.

Now go, my little angel.
Rises up high to the stars
And they account for your stories,
What should have been and that made be.
Will run through the clouds
And singing of the birds,
Will laugh a loose laughter in the middle of the blue.

I only ask you, little angel,
To forgive men
And what if you can,
In your prayer,
My angel,
Dream for us.

Glaucio Cardoso
September 3, 2015




[i] In memory Aylan Kurdi, a Syrian boy who died at the age of three when he sought refuge from a war that was not his.

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

O sono de um anjo




O anjo na areia
Parece dormir
Um sono cansado.

Queria vê-lo brincando,
Queria vê-lo sorrindo,
Queria vê-lo em seu prometido voo.
Mas o anjo não acorda,
Não brinca,
Não voa.

Quem cortou tuas asas?
Quem foi que apagou os rastros de teus passos?
Quem foi que fez calar teu riso?

Eu digo e afirmo
Que fomos todos nós;
Os olhos cerrados,
Os braços cruzados,
Todos fechados
Para quem só queria o refúgio
De um carinho sincero.

Será que as fronteiras
Que existem nos mapas
Se tornaram muralhas
Que separam os homens?
Por que é tão difícil
Abrirmos o peito
Pra dar abrigo
Ao outro que sofre?

Eu queria poder, meu anjinho,
Te tomar em meus braços
E cantar pra você canções de acordar,
E sussurrar coisas belas
Pro teu doce sonhar.

Mas o anjinho não vai acordar,
Nós condenamos, a ele e a outros,
A um aparente dormir.

Eu sei te dizer, meu anjinho,
Que nunca vou te esquecer,
Pois senão eu estaria
Esquecendo de mim
E de quem você é:
Você é nossas crianças,
Você é nosso futuro,
Você é a dívida
Que nos acompanha
E que é preciso saldar.
Você será sempre criança
Em nossas retinas.

Agora vá, meu anjinho.
Sobe bem alto até as estrelas
E conta pra elas as tuas histórias,
A que devia ter sido e a que fizeram ser.
Vai correr entre as nuvens
E cantar entre os pássaros,
Vai rir um riso solto no meio do azul.

Só te peço, anjinho,
Que perdoes aos homens
E que se puderes,
Em tua oração,
Meu anjo,
Sonha por nós.
Glaucio Cardoso
03/09/15

Em memória de Aylan Kurdi, menino sírio morto aos três anos de idade quando buscava refúgio de uma guerra que não era dele.