quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Canto infinito

Canto infinito


No meio do bosque
O cantor das copadas
Fez um pouso brusco
Que soou como derradeiro.
Seu trinado suave e forte
Reboava nas matas
Acordando seus irmãos.
Suas asas de um azul antes intenso
Já se haviam esmaecido
Para um tom meio sem graça,
Mas o canto que soltava,
Anunciando o amanhecer
Ou chamando a luz da lua,
Era o canto mais formoso
E, majestoso, dava gosto de se ouvir,
E não tinha uirapuru,
Pintassilgo ou canário
Que pudesse superar
O seu canto solitário.
E a passarada toda em festa
Soltava então os seus gorjeios
 Pra fazer segunda voz.
Do verão à primavera,
No outono e até no inverno,
O canto azulado se elevava
Mesmo quando tudo se aquietava.
E o tempo foi seguindo,
As cores das penas sumindo
E o canto inda mais vivo,
Mais firme e mais lindo.
Naquela manhã de sol
O Azul olhou pro céu
E sentiu o chamamento
De outro azul.
Soltou um suspiro musicado,
Uma lágrima derramou,
Foi virar canto infinito
E no infinito se lançou.
E a mata toda então vestiu luto,
Não teve mais cantoria,
Os pardais se recolheram,
As viuvinhas soluçaram,
Os colibris em revoada
Fizeram uma saudação.
Somente um seriema
De repente se lembrou
Que artista de verdade
Não morre, se eterniza.
E como uma homenagem
O seu canto estridulou
E a passarada toda em volta
A saudade cantou em cantos seus.
E o Azul eternizado
Recebeu tanta energia
Que rogou regozijado
Pra espalhar mais alegria
E virou cantor de Deus.

Glaucio Cardoso

2 comentários:

  1. A saudade cantou em cantos seus...
    E virou cantor de Deus...

    Que beleza!

    Muito bom amigo!

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  2. Agora eu me lembrei de Seu Luiz Gonzaga, amigo querido, que nos últimos dias, com o câncer de próstata, metástase pelo corpo inteiro...

    Desde a internação que pedira para colocar dois armadores, já que nunca se acostumara a dormir em cama. A rede era seu descanso.

    O mais incrível é que até o minuto final de existência terrena, Seu Luiz aboiava, cantava pequenos refrãos dos seus baiões e aboiava, com sua voz metálica e dolente, até não ser mais paciente!...

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