sexta-feira, 4 de julho de 2025

Visita à casa do poeta que admiro


Eu piso com reverência

As lajotas de pedra da calçada.

Observo com encantamento quase ingênuo

Cada um dos móveis da sala.

Ritualisticamente,

Passo meus dedos

No tampo da mesa

Sem pensar que ali,

Naquela tábua,

Foi onde o homem

Comeu seu almoço corriqueiro,

Contou as moedas do magro salário,

Tomou a lição de filhos e netos,

Amargou as horas lacrimosas de desesperança.

Não, tudo em que

Consigo pensar

É no poeta debruçado

Sobre uma folha de papel

A criar para a cabeça dos leitores

Uma vida que nunca teve,

Mas que viveu plenamente.

Glaucio Cardoso

13/04/19

quinta-feira, 15 de maio de 2025

Poeta maldito... moleque vadio

 

No dia 29 de abril fiz uma exposição no Laboratório de Estudos de Poesia e Vocoperformance (LEV), como parte de seu ciclo de Audições Comentadas. A proposta desta atividade promovida pelo LEV é a de tecer análises sobre álbuns musicais dos mais diversos. 
Para minha participação, escolhi o álbum Poeta Maldito... moleque vadio, de Oswaldo Montenegro, gravado em 1979.
O disco em questão foi um fracasso de vendas, quase determinando o fim da carreira do músico carioca, que seria salva por sua participação em um festival da canção com "Bandolins".
Em minha exposição, procurei fazer um breve resumo da carreira de Oswaldo até o momento do lançamento do disco, comentando sobre suas influências seresteiras e seu estilo de composição. Enfoquei principalmente a construção temática do álbum e como a performance vocal do cantor é fundamental para a fruição de suas composições.
O Laboratório de Estudos de Poesia e Vocoperformance (LEV), sediado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), é coordenado pelo Prof. Dr. Leonardo Davino de Oliveira e possui em seus quadros diversos pesquisadores, dentre os quais eu mesmo. Sua programação é aberta ao público e pode ser acompanhada pelo instagram @levuerj (LINK DIRETO).





domingo, 27 de abril de 2025

O Poeta sem máscara no Pontinho de Luz

 


No dia 13 de abril, estive no C. E. Pontinho de Luz, em Nilópolis (RJ), participando do Chá Fraterno em prol da instituição.

Na ocasião apresentei minha performance "O Poeta sem Máscara", composta por poemas autorais e músicas do Grupo Alma Sonora e de Oswaldo Montenegro.

Para quem ainda não conhece este meu trabalho, trata-se de uma performance minimalista e reflexiva, fruto de uma busca pessoal por novas dimensão de minha própria arte.

Foi uma tarde agradável, na qual recebi muito carinho e incentivo.

Algumas fotos.








quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Falando de canções (publicação)

 

Meu ensaio teórico, "Desencontros em trânsito: um diálogo entre Paulinho da Viola e Oswaldo Montenegro", foi publicado no volume 11 da Revista Jangada, cujo tema central foi Tecendo fios entre a literatura e a canção popular brasileira.

No meu texto, busco estabelecer uma rede de diálogos possíveis entre duas composições dos cancionistas citados no título, partindo do conceito de hipertexto e situando-as no contexto da ditadura militar.

O ensaio completo pode ser lido em https://www.revistajangada.ufv.br/Jangada/article/view/591

quinta-feira, 28 de novembro de 2024

Você sabe o que você canta? - 005

 – Analisando músicas espíritas –


O Tempo
(OUVIR)

Grupo Alma Sonora


Um dos critérios, talvez o principal, da escolha das canções que tenho analisado nesta série de textos é o de que preciso gostar delas em alguma medida. Pode não soar muito acadêmico, mas creiam quando digo que a maioria dos estudos na área de humanas possuem o critério do gosto pessoal em maior ou menor medida, embora nem sempre confessado.

Ainda me lembro da primeira vez em que ouvi o grupo Alma Sonora, de Curitiba-PA, cantando “O tempo”. Foi em uma das edições do Festival da Canção Espírita de Franca (FECEF). Quando a canção começou e fui acompanhando a letra pelo livrinho que a organização do evento distribui a cada edição, virei para meu amigo Anderson Daltro e falei emocionado: “Essa é uma das canções mais bonitas que já ouvi!”


O tempo é curto pra quem corre contra o tempo

O tempo é escasso pra quem não aperta o passo

O tempo passa devagar pra quem não tem com quem falar

O tempo quase não passa na vilinha de igreja e praça


A primeira parte da canção apresenta a temática que será predominante em toda ela: a relatividade do tempo a partir da percepção individual.

Note-se que os dois primeiros versos relacionam-se à mesma dimensão da realidade: a vida corrida que caracteriza a sociedade na qual nos encontramos mergulhados. É preciso estar sempre em movimento, ser produtivo, ser alguém que é útil para a sociedade. E quando sobra tempo para a vida?

O terceiro verso traz à tona um aspecto trágico decorrente daquilo que foi explorado nos dois versos anteriores: o sentimento de solidão. Se por um lado a vida corrida desta louca sociedade de consumo nos faz sentir que nunca temos tempo o suficiente, por outro essa mesma falta de tempo nos condena ao isolamento e assim vem a percepção de que, quando finalmente temos alguns momentos para descansar, somos assolados pelo silêncio. É a velhice que chega sem que realmente tenhamos criado laços; é o fim de semana vazio no qual buscamos nos ocupar com mais atividades para nos sentirmos úteis; é a impossibilidade do diálogo com os familiares para os quais somos ilustres desconhecidos.

No verso seguinte, vemos o contraste positivo a isso na imagem bucólica de uma vila perdida em algum lugar com o qual já sonhamos um dia, um lugar onde o tempo parece não passar, lembrando a “Cidadezinha qualquer” do poema de Drummond:


Casas entre bananeiras

mulheres entre laranjeiras

pomar amor cantar.


Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.


Devagar… as janelas olham.


Eta vida besta, meu Deus.


Essa vida que parece não passar é diferente daquele tempo estagnado que massacra aqueles que não têm com quem falar. Aqui, no verso em questão, atualiza-se o fugere urben que foi tão praticado pelos poetas neoclássicos do movimento que ficaria conhecido como Arcadismo.


O tempo voa, voa, voa, voa, pra quem não está à toa

Tempo é aliado pra quem sabe o que está do outro lado

O tempo voa, voa, voa, voa, e nunca vai parar

Tempo é inimigo mortal pra quem acha que a morte é o final


Aqui uma imagem clichê que associa a passagem do tempo ao voo. Essa sensação de que o tempo voa associa-se primeiro com o ocupar-se, mas não exatamente como o que foi mostrado na primeira parte da canção. Ali era a correria da vida cotidiana; aqui é um estar ocupado consigo, como a busca por compreender-se como um ser de dimensão espiritual que compreende a continuidade da vida para além das questões materiais, ecoando Teilhard de Chardin quando este dizia que "Não somos seres humanos vivendo uma experiência espiritual. Somos seres espirituais vivendo uma experiência humana".

Na sequência, esse tempo que não para se mostra como algo que provoca a ansiedade naqueles que só veem a dimensão material da existência, em um contraste com o trecho anterior. A antítese do tempo aliado/inimigo mortal vincula a canção à ideologia espiritualista que será enfatizada pelo par “quem sabe o que está do outro lado” / “quem acha que a morte é o final”. O verbo “saber” remete ao conceito de certeza da vida futura, amplamente utilizada nas obras de Allan Kardec, enquanto a dúvida à respeito do porquê da existência humana é representada pela forma verbal “acha”, o que também se vê no seguinte trecho de A Gênese:


A certeza da vida futura dá outro curso a suas ideias, outro objetivo a seus trabalhos; antes de ter essa certeza ele trabalha apenas para a vida atual; com tal certeza ele trabalha tendo em vista o futuro sem negligenciar o presente, porque sabe que seu futuro depende da direção melhor ou pior que der ao presente. (Cap. II, it. 3)


Na sequência temos:


Tempo é marcação, finito argumento de uma encarnação

Tempo é ficção, meridianos, uma simples convenção


Aqui vê-se novamente a ideia que associa a percepção da passagem do tempo à sucessão de acontecimentos, o que nos leva à convenções arbitrárias que definem e estabelecem uma visão coletiva dessa passagem. Mais uma vez encontra-se em A Gênese:


O tempo é apenas uma medida relativa da sucessão das coisas transitórias; a eternidade não é suscetível de medida alguma, do ponto de vista da duração; para ela, não há começo, nem fim: tudo lhe é presente. Se séculos de séculos são menos que um segundo, relativamente à eternidade, que vem a ser a duração da vida humana?! (Cap. VI, it. 2)


A canção finaliza-se com o verso “Se você quer saber, tempo existe pra quem quer viver”, o que de certa maneira resume tudo o que foi dito ao longo de cada estrofe. Ao aproximar “tempo” e “vida”, a letra determina que ambos os vocábulos se igualam. Tempo e vida são portanto representantes da mesma dimensão humana, aquela que precisa ser fruída, aproveitada. O tempo existe quando vivemos a vida em plenitude, realizando nossas potencialidades e mirando um horizonte para além da dimensão material, seja quanto ao que consideramos ser “produtivo”, seja quanto à qualidade de vida que nos concedemos.

Glaucio Cardoso

Leia também:

01 - Canção da Alegria Cristã

02 - Cativar

03 - Flutuar

04 - Uma prece