O primeiro encontro
Eu tinha uns oito anos de idade. Meus pais me levaram a um evento beneficente na casa espírita que eles já frequentavam há alguns anos, desde que se mudaram de Nova Iguaçu, vindo antes de Irajá, para Mesquita (RJ). Talvez aqui eu deva fazer uma breve explicação sobre o evento e o local em que se realizava.
Ao longo dos anos, as casas espíritas (e aqui falo daquelas de orientação kardecista, popularmente chamadas de “centros de mesa branca”) sempre realizaram eventos para arrecadação de fundos que servissem para custeio de suas próprias atividades e/ou aquisição de mantimentos que pudessem ser distribuídos para pessoas em situação de pobreza extrema.
A tônica de muitos desses eventos acabou por fundamentar uma fórmula que até hoje permanece no movimento espírita brasileiro: a combinação entre arte e comida. Creio poder afirmar que não há no Brasil um só espírita com mais de trinta anos de idade que nunca tenha participado de um “Chá fraterno”, “Lanche fraterno”, “Show com Chá” ou outros nomes para o mesmo tipo de evento.
Mas voltemos àquela tarde por volta de 1984.
Eu estava sentado na primeira fileira de cadeiras junto com outras crianças. Agora não tenho certeza se eu estava mesmo sentado na cadeira, talvez estivesse sentado no chão. Isso não importa para uma rememoração, mas a dúvida é também a morada do poético.
Eu estava sentado. E um homem subiu ao palco. Eu estava sentado vendo um homem subir ao palco que nem era exatamente um palco, apenas uma parte mais alta do salão e que servia de palco. E o homem subiu e falou. E quando ele falou, tudo desapareceu.
Eu não lembro das músicas que cantaram naquele dia; não lembro se houve alguma representação teatral; não lembro qual foi o lanche que serviram. Não lembro de nada.
Mas lembro que um homem falou.
De repente parecia que o mundo havia parado. Lembro claramente que ele começou a falar “A rua que eu moro…” e eu quis viver naquela rua, mais do que isso: eu queria ser aquela rua. Nunca tinha visto palavras ditas de tal modo. O que eu via naquele espaço não se parecia com nada do que eu já tivesse visto e ouvido na minha [então] curta existência.
E tudo porque um homem falou. Aquele homem, que mais tarde se tornaria meu padrinho na escrita e que assumiria um papel fundamental na minha caminhada, era o poeta João Prado.
No caminho para casa, eu tinha um monte de perguntas na cabeça. E como toda criança, resolvi perguntar para aquela fonte de conhecimento inesgotável, aquele que tinha resposta para todas as perguntas.
- Pai, o que era aquilo que aquele moço falou?
Meu pai não teve muito estudo. Tendo de trabalhar desde cedo, só conseguiu concluir o antigo 1º grau em um supletivo oferecido pela instituição na qual trabalhava, a PMERJ. Mas meu pai tinha um segredo: uma mente de inesgotável curiosidade. Sempre lendo, sempre pensando.
- Aquilo, meu filho, é POESIA!
- E o que é poesia?
- Poesia é uma coisa que todo mundo conhece, mas tem gente que pensa que esqueceu.
Às vezes fico na dúvida se ele realmente respondeu isso, mas é assim que me lembro e é assim que escolhi contar para as pessoas.
E foi assim que, aos 8 anos de idade, em uma tarde-noite de um fim de semana qualquer por volta de 1984, tendo sido apresentado à poesia por João Prado e pelo seu Nivaldo Cardoso, que eu descobri o que eu queria fazer pelo resto da minha vida.
Mais tarde, eu começaria a dizer poemas de diversos autores, inclusive do João Prado. E teve aquela vez em que pela primeira vez o próprio João me convidou para fazer um sarau com ele. Mas isso é outra memória.
Glaucio Cardoso - 24/11/2021
Parabéns Glaucio!
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