(Texto apresentado na IV Semana Acadêmica de Pesquisa e Produção Literária de Graduação em Letras - Conversas da pandemia - Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Minha cordiais saudações aos participantes da IV SAPPLI. Creio que não há nada mais louvável nestes tempos de inquietude nos quais nos encontramos que o gesto de resistência que ora estabelecemos, i. é, o de nos reunirmos, ainda que virtualmente, para a troca e construção de conhecimentos.
Tendo
sido informado de que no tempo que me foi concedido eu deveria falar de meu
processo de escrita, algo que honestamente nunca fiz ao longo dos anos a que
tenho me dedicado à poesia, acostumado a falar apenas dos versos alheios, sinto
que devo fazer o alerta de que não tenho a pretensão de fornecer uma explicação
excessivamente intelectual a respeito de como escrevo, pois sempre defendi que
o autor é talvez o menos indicado a falar sobre seus textos. O risco narcisista
é por demais tentador, da mesma maneira que ao falar sobre seu fazer literário,
o autor se presta a fazer novas criações literárias.
Quando
falamos em criação poética, apesar de todo o nosso empenho teórico, é comum
cedermos à ideia romantizada de “inspiração”, que põe os poetas como bafejados
pelo sopro das musas ou protegidos pelas asas dos anjos.
Que
me recorde, nunca acreditei muito no conceito de inspiração como algo que nos
venha de fora, sob influxo de uma consciência exterior e estranha à minha
própria. Entretanto, compreendo que, para os poetas em geral, sempre existe a
possibilidade de que o seu entorno lhes instrumentalize de temáticas que
desembocam em poemas. Talvez o poeta não seja um mero intermediário entre
realidades, mas certamente é um observador das realidades, as que conhece, as
que intui e as que imagina. Essas realidades chegam ao poeta e o provocam a
escrever e dar sua própria voz às vozes que capta.
Assim, o que é
comumente chamado de “inspiração” eu sou levado a denominar “provocação”.
Escrevo quando me sinto provocado a fazê-lo e escrevo poemas quando a
provocação é tamanha que não me permite outra forma de discurso que o poético,
a mais completa expressão que tenho encontrado.
Parafraseando
Maiakovski, se a poesia puder servir de martelo para forjar o mundo, então eu
direi que minha poesia será sempre a minha resposta às provocações de um mundo
que precisa ser questionado, problematizado e assim dobrado aos golpes dos
versos que insisto em brandir.
Os três poemas que
trago hoje foram escritos entre abril e maio deste ano e representam distintas
respostas para distintas provocações inseridas dentro da grande provocação que
a pandemia nos trouxe. Serão lidos e comentados na ordem em que foram
concluídos.
Cansaço
(08/04/2020)
É
duro esse constante reinventar,
Esse
recriar dia-a-dia,
Esse
resistir pela mudança eterna.
É
que tudo em torno
Convida
ao estagnar,
Ao
permanente,
Ao
acovardar-se.
E
nesses dias
De
portas cerradas,
De
sonhos adormecidos,
De
medo e angústia,
Em
que o simples abrir
De
uma janela
Nos
põe em vista do mundo,
A
dureza da permanência
Nos
choca,
E
chocados,
Espantados,
Assombrados,
Ainda
assim nos levantamos
Uma
vez mais
E,
punho erguido,
Bradamos:
NÃO!
O poema “Cansaço”, como
bem diz o título, surgiu a partir da sensação de esmagamento provocada por
aquela que considero a face mais perigosa dessa pandemia: a guerra das
narrativas.
De um lado vimos o
esforço da ciência em indicar os cuidados necessários à prevenção contra um
vírus que se propaga a tal velocidade que poderia colapsar os serviços de saúde
em pouquíssimo tempo. Até mesmo a mídia, que sempre mereceu minha desconfiança,
atuou de forma insistente na divulgação de informações.
Do outro lado, a
irresponsabilidade de um necrogoverno que minimizou o quanto pôde a gravidade
da situação, utilizando-se da mesma em sua campanha permanente contra tudo o
que representa, em sua lógica distorcida, uma ameaça à sua dinastia de
hipócritas.
Daí o cansaço de ter
estar constantemente explicando o óbvio. Daí a escolha por terminar o poema com
um brado de NÃO, em caixa alta e seguido de exclamação. Este brado é uma
afirmação de persistência, uma forma de estender a mão a todos que ainda se
erguem contra esse adorador da morte e seu rebanho de insensatos.
O próximo poema soará
um pouco mais brando.
Fragmento
encontrado em 3076
(13/05/2020)
E
quando tudo isso for passado,
Haveremos
de olhar
Mais
nos olhos que nas telas.
Buscaremos
mais abraços verdadeiros,
Sorriremos
mais francamente,
E
aprenderemos a beleza
De
estarmos realmente lado a lado,
Assim,
sem nem precisar dizer nada,
Mas
sem nos distrair na virtualidade.
Quando
tudo isso for passado,
Acho
que o mundo estará
Um
pouco mais silêncio,
Muitos
rostos não serão mais,
E
talvez nem o meu ainda seja.
Entenderemos
finalmente
Que
ausências não se substituem,
Mesmo
quando as presenças se sucedem.
Quando
tudo isso for passado,
Talvez
entendamos
Que
tudo que passou
Não
passou de presente,
Chance,
oportunidade,
Chamado...
Quando
tudo isso for passado,
O
futuro, que nunca chega,
Não
será mais utopia
Ou
nostalgia em construção.
Quando
tudo isso for passado,
Que
sejamos todos gratos
Por
tudo que temos passado.
Diferente de “Cansaço”,
que agora me dou conta direcionar-se ao presente, “Fragmento encontrado em
3076” surgiu com o claro intuito de representar tanto uma projeção ao futuro
quanto um olhar para o passado no qual um dia nosso presente se tornará.
Talvez seja um poema
que soe piegas para alguns, mas sou confessadamente um otimista, que teima em
crer na humanidade, que preciso, como os taciturnos companheiros do poema de
Drummond, nutrir “grandes esperanças” de que as gerações futuras caminharão de
“mãos dadas” graças ao aprendizado obtido de nossos tropeções.
Faço aqui uma nota
sobre esse poema: o músico curitibano Lucas da Paz compôs uma breve melodia
para o mesmo, intitulada “Secreto Saber”, e que acompanha uma experimentação
audiovisual que publiquei no youtube. Juntos, a música e o poema, me parecem
adquirir outras dimensões de significados que nem o músico nem o poeta pudemos
prever.
Passemos ao último dos
três poemas, intitulado “Versos na quarentena”, que apresenta uma diferença
significativa em relação aos dois anteriores.
Versos na
quarentena
(15/05/2020)
Tenho
inveja dos poetas
Que
no isolamento encontram
Motivação
para seus versos.
É
que a solidão, dizem eles,
Trouxe
o silêncio,
Trouxe
a retidão,
A
quietude que inspira.
E
para mim, não...
É
que poesia sempre foi
Minha
forma de estar em contato,
De
comunicar,
De
“arreunir”,
De
dialogar.
Poesia
sempre foi
Meu
maior estar no mundo,
Por
isso escrevo pouco nestes dias.
E
agora repenso o que disse no início...
Tenho
ainda um pouco
De
inveja dos poetas
Que
no isolamento encontram
Motivação
para seus versos...
Mas,
acima de tudo,
Também
tenho pena.
Enquanto naqueles
procurei dirigir-me a possíveis leitores, neste exerci a salutar arte de
conversar comigo mesmo, fugindo à tentação de estabelecer um eu lírico, este
instituto tão caro à história da literatura e que o Alberto Pucheu disse, em
uma das muitas lives que vi nesta
quarentena, ser algo já praticamente inexistente na atual cena da poesia.
Creio ser o poema
bastante claro no tocante ao que entendo como poesia, i. é, uma forma de estar
no mundo, de forjá-lo, entendê-lo. Uma forma também de estar com o outro,
conversar com ele, revelar-me e conhecê-lo.
Para mim, este poema
representa minha profissão de fé, pois foi apenas com ele, após tantos anos
dedicando-me à poesia, que finalmente se me revelou meu projeto estético, se é
que ele existe, como se tal revelação me viesse pela voz de outro, para outro,
um outro que sou eu para mim mesmo.
Talvez ao dizer isso eu
soe contraditório e julguem que acredito ter recebido uma mensagem de fora de
mim. Mas não. Assim como García Lorca, não creio ter sido tocado pela
inspiração de uma musa distante ou resguardado pela proteção de um anjo. O que
mais sinto, penso e sei, é que fui chacoalhado pela provocação de um duende.
Amigo querido, amei seu texto, vou reler quantas vezes necessário for, pois quero absorver cada ideia, cada mensagem. Gratidão!
ResponderExcluirBela reflexão do poeta sobre seu fazer poético. Ao mesmo que se revela, o autor remete o leitor a novos níveis de mistério.
ResponderExcluirParabéns pelas poesias e pela forma sempre não narcisista de se colocar, que possibilita tanta troca, divide pensamento, doa afeto. Mais um lindo trabalho.
ResponderExcluirParabéns pela mensagem edificadora.
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