Deixe-me
esclarecer duas coisas. Primeiro: adoro
ler biografias, principalmente de artistas. Escritores, pintores, músicos,
atores. Segundo: estou falando de
artistas que realmente deixaram sua marca no mundo mediante uma trajetória
efetivamente relevante, não estas biografia escritas a toque de caixa para
aproveitar os fenômenos construídos pela mídia. Dito isto convido-os a algumas
reflexões sobre uma biografia que li recentemente.
Considero a escrita biográfica um
risco imenso. De um lado fica sempre a sensação (creio eu) de que não se disse
tudo, afinal a vida de uma pessoa não cabe toda inteira em umas folhas de
papel, não importa a quantidade destas. De outro, o biógrafo pode terminar por
ser condescendente com o biografado, envolvendo-o numa aura de santidade,
fechando os olhos para suas deficiências tão típicas do humano ou mitificando-o
além da medida.
Felizmente isto não ocorre em Freddie Mercury, biografia do líder (e
por que não dizer alma) da banda inglesa Queen, escrita pelo francês Selim
Rauer.
Sem aparentar a pretensão de ser a
biografia definitiva sobre um dos mais emblemáticos artistas da história do
rock, o texto de Rauer mostra-se competente ao nos apresentar o homem por trás
do ídolo, levando o leitor a uma viagem no tempo e no espaço.
Somos apresentados ao jovem persa
Farrokh Bulsara, nascido em 5 de setembro de 1946 na ilha de Zanzibar, costa
africana, e à uma trajetória de vida que o fez transformar-se em um astro.
“Freddie Mercury provavelmente foi o
sonho de Farrokh Bulsara”, assinala Rauer logo no capítulo 1, no qual temos
alguns flashes de uma infância
ocultado com cuidado e carinho como se fosse um tesouro reservado a poucos. E o
que sonhava este homem? Sonhava com a glória, com o palco, com a vida diante do
mundo.
É este sonho que nos é apresentado
em boa parte do livro, com suas tentativas, experimentações, quedas, sucessos,
fracassos. E também com pesadelos. Pesadelos criados pela própria complexidade
do biografado. Mercury é retratado por Rauer como capaz de grandes
demonstrações de sensibilidade e também de tirania, como um ser altamente
criativo que se permitiu abusos de todo tipo, como uma alma inquieta que
buscava algo que nem mesmo o biógrafo ousa arriscar o que seria.
Se Mercury foi o sonho de Bulsara,
paradoxalmente aquele sonhava com uma vida familiar que foi negada a este. No fim,
vemos um ser humano frágil, desejoso da tranquilidade de um lar com alguém
amado.
Um outro risco das biografias é
isolar a figura retratada, como se fosse alguém apartado de seu tempo. Este é
um outro mérito do livro de Rauer, pois nos apresenta a história de Freddie
Mercury e do Queen em paralelo com a própria história do rock e (em parte) da
música ocidental nas décadas de 70 e 80. Também temos um breve panorama do
impacto que o surgimento da AIDS causou na sociedade como um todo e na
comunidade homossexual da época, temática esta que é trabalhada com rigor
histórico e respeito.
Um grande trunfo do texto de Rauer,
pelo menos na minha percepção, foi conseguir fazer com que me sentisse
transportado aos último momentos do cantor, levando-me às lágrimas como se seu
desenlace, ocorrido em 24 de novembro de 1991, estivesse acontecendo no exato
momento da leitura. Poucas vezes vejo biógrafos tão competentes neste mister.
Como se não bastasse, o livro é
ainda complementado com uma discografia completa do Queen e dos trabalho solos
de Mercury, um presente para os fãs, e ainda possui índice onomástico que muito
auxilia em pesquisas posteriores.
Quer você seja fã da banda, quer
você aprecie o rock, a leitura te será satisfatória. Se você não se enquadra em
nenhum dos casos, ainda assim poderá apreciar um verdadeiro passei pela alma
deste artista.
Que o show continue.
Freddie Mercury
Autor:
Selim Rauer
Ed.
Planeta
Trad.
de Marly N. Peres
2010
319
páginas
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